quarta-feira, 16 de abril de 2014

Poema-manifesto

Me mostra qual é a veia literária

Que eu corto

E acabo logo com o problema
Meu 6001-10
                      Santo
                               Amaro

Bateu na traseira dum
                                    675X-10
                                                    TERMINAL  
                                                                               GRA
                                                                                           JA
                                                                                                      Ú


O que isso quer dizer
Eu jamais vou entender

nós
nos
nós

(agora escrevendo outras coisas)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Decido reinventar-me

Poema antigo só agora terminado, de 2012

Em vasta análise do virulento material de minha composição
Quebro-me por partes
A fim de a novo quadro recorrer

Dedico à malícia capitulo breve de exposição
Ninféia orgulhosa que em muito se alinha a cacos de uma garrafa
A ela receito dose e meia de ruga leve, de boca aberta e inocência
A fim de enfermo não o ser

Ao sentimento prescrevo a intensidade
A acumulação, e o filtro do sol que irradia a espelhos múltiplos um viver estrito
Receito folhas e frutas atravessadas de luz, num banho-maria doído mas necessário
A fim de sombrio não morrer

A inocência do processo todo dedico o futuro
Hoje sincero, não tão pedante e menos certo de si, com a razão que se há de ter
Receito um passo seguido do outro, em direção certeiramente errada
A fim de livre não se conter

Poemas da Incompletude




Quero


Não




Poema antigo reencontrado

Tanta coisa é necessária para se comer um tomate
Para se planar por entre astros e mariposas,
Em uma ponta surda repentina,
Desconectar teu plexo solar da carcaça de ponteiros parados
De narizes terríveis, morte pálida
Nunca mereceram ser mencionados
- Que já não valem o brilho das unhas
Norte dum mirante corado
Escolam as cascas das bananas
Me ensinam a comer mamão
E dar cambalhotas por entre raízes
Preservam a frente lunar de pura maquiagem vermelha
- Banalidade pras tuas sardas fiéis
Abertas as planícies de uns punhais
Aos nossos olhos trêmulos e brancos
Em órbita às nossas crateras
Trançando a atmosfera de Vênus
- Uma besteira desnuda pros nossos delírios
Criamos planetas onde der vontade
Matamos estrelas onde não couber saudade
- E, quem diria
Preta minha pétala desconhecida
Retrata-me teu puro e me mostra como teu ser
Que já passou do tempo do choro morrer

[Vê se te lembra
dessa tua pequena
dourada feito o céu
De unhas entre os dentes
Abertos num esquadro sem fim
que pinta o mar de rosa e roxo
cativa o futuro de aros grossos
hoje vive em marcha acelerada
montanha russa de pura alegoria
de murro em ponta de faca
de sacrifício querido
absurdo e sublime
à luz de notas tremidas]

Provavelmente de 2011

Lista de pensamentos colecionados

1. Já reparou que um animal enjaulado não pára de andar de um lado pro outro?

2. Às vezes olho por uns minutos para os objetos e bate um desespero, parece que eles estão a cinco segundos de finalmente reagir, de fazer qualquer coisa. Me parece impossível que eles permaneçam imóveis por tanto tempo.

3. Diferenciar "móveis" e "imóveis" usando essas palavras é plenamente idiota e irresponsável.

4. Provavelmente todo mundo cria dentro de si um catálogo de ações triviais com significados simbólicos, que vai coletando ao longo da vida e que viram motivo de especial observação em qualquer ambiente em que a pessoa se encontre. Segue o meu:

  • Apertar, nas costas da mão, o espaço entre o polegar e o indicador usando a outra mão.
  • Ler uma bíblia em público.
  • Tirar um objeto do lugar e colocar em outro lugar não muito distante.
  • Acertar um relógio.
  • Pedir uma cerveja.
  • Fazer aquele ritual de estalar todas as partes do corpo que se aprendeu a estalar até agora.
  • Cortar qualquer coisa com uma tesoura.
  • Procurar alguma coisa numa bolsa.
  • Acordar e anotar algo durante a madrugada.
  • A ser adicionado

5. No fim da vida, pra que tenha valido a pena, é imprescindível um relatório estatístico do que foi tudo isso, do número de quilômetros que você andou, do tanto de vezes que se cortou ou topou com o dedinho, da proporção entre o número de palavras ditas e o número de palavras ouvidas, de quantas ideias começou e nunca foi capaz de terminar, de quantas vezes alguém riu de uma piada sua, da quantidade de tempo dedicada a fazer nada e por aí vai. Ao menos isso a eternidade podia nos dar.

6. A única diferença entre o morto e o adormecido é o sonho.

7. Será que existe, na superfície da terra, algum ângulo de qualquer coisa que nunca tenha sido visto por ninguém? Se tudo o que vejo já foi visto e continua sendo visto todo dia, pode o que ainda vejo ser único e só meu?

8. Quando eu era criança ficava muito aflito com (não nessas palavras): 
  • Todo o mundo e todas as cidades são construídas em cima de terra irregular, cheia de depressões, aclives e planícies. Tudo é feito em cima de uma montanha gigantesca que a gente é incapaz de ver. A cidade mata a noção de altitude.
  • Outra coisa que a cidade mata é a noção de horizonte. Tem um monte de coisas atrás da paisagem de prédios, tipo um vale bem grande e aberto, ou uma região bem alta mesmo que se esconde atrás de um muro de construções.

9. Não há distinção entre passado e presente / Mato o passado a cada instante / A história corre a meu lado / E não há história / E a história não existe sem mim / A casca da árvore já existe antes que eu a arranque do tronco

10. Todo dia de manhã passo por uma rua bem estreita, de uma mão só, preenchida pelo muro de um edifício de um lado e as portarias de outros edifícios do outro e todo dia de manhã quando passo por lá cruzo com uma senhora velha passeando com um cachorro grande com cara de lobo que para na calçada sempre que passo por ela e me olha com um olhar cada vez mais pesado, assim como o cachorro usa duas esferas opacas e azuladas que tem em cima do focinho pra fazer questão de me olhar no rosto sempre que passo do seu lado e eu sempre tenho vontade de perguntar se o cachorro é cego mas eu nunca pergunto.

11. Dentre as plantas pra casa, sempre prefira as suculentas -- ou, as únicas plantas de verdade -- que continuam a viver muito tempo depois que você já se esqueceu delas.

12. Poemas não costumam ir pra lugar nenhum. As fotos entram num álbum de família pra você ver depois e reconhecer a tia Lúcia que já morreu (como era bonita, né) ou entram nesse livros caros que a Taschen costuma vender e que por isso ganham o nome de "fotolivros" -- mesmo que tenham a mesma foto da tia lúcia do seu álbum. Cole várias fotos em seguida e você tem um filme, existem vários e são muito bons e te fazem pensar, vale a pena, mas já os poemas não vão pra lugar nenhum. Romances costumam começar e terminar, acontecendo alguma coisa extraordinária ou edificante que foi gradualmente construída. Eles ficam no topo dos mais vendidos e levam você pra dar entrevistas. Poemas começam no meio e terminam no começo, sem ter desfecho e, principalmente: sem te levar pra lugar nenhum. A música é demais. Dá pra dançar ouvindo e dá pra sentir coisas incríveis, daria pra você conhecer alguém dançando e vocês poderiam casar e ouvir essa música depois e lembrar, mas não dá pra dançar com um poema e nem tocar um pra todo mundo ouvir e curtir, e acima de tudo, eles nunca vão te levar pra lugar nenhum.

13. Num ponto de ônibus a criança perguntou pra mãe "se todas as pessoas são diferentes, porque todos os adultos sempre dizem as mesmas coisas"?

14. Mas se tudo pode ser belo ou feio e a cada qual se pode chamar qualquer coisa, o que é, com efeito, belo? O que possui natureza tão arrebatadora que não há um que ouse alegar o contrário? Ora, não há, na história dos homens, em toda a poesia, nada que se denomine superior a qualquer inflexão pessoal? Acima das opiniões? Deus é belo, mas está morto. O mar é puro, porém furioso. Um sorriso enternece, mas também escarnece. Porra, mas que cacete! O problema nosso é exatamente esse. É que tudo é errado. E tudo é certo. E, caralhos, no fim tanto faz.

15. Um bebê no colo da mãe, quando olha pra um cartaz qualquer no trem ou uma placa na rua, franze a sobrancelha, arregala os olhos, retorce a boca, estica as bochechas, sorri com um barulho errado, faz tudo do contrário ao mesmo tempo, como se tivesse sentindo tudo que dá pra sentir e tendo todas as reações ao mesmo tempo e como se fingisse que não sabe nada do que sabe.

16. (Fragmento perdido sobre valter hugo mãe e a máquina de fazer espanhóis): 
É uma reconciliação tão boa e sincera e medida com a ideia da morte. Tão incompreensiva e bela e altiva e madura e terrível e angustiante como é a própria morte, que nos tira a metafísica e o fascismo e a pátria e faz de todos corpos agarrados a Fátima, como se iguais perante a lápide, ignorante de nossas diferenças e do brilho que nos emanava diferente.

17. Se hoje qualquer associação entre coisas distantes pode ser feita sob o signo da fusão cultural e do pós-gênero, por que algumas dessas misturas parecem justas e certas e outras parecem inaceitáveis e ofensivas aos gêneros e as tradições?

18. Curiosidade: O conjunto dos impulsos cerebrais de percepção física que resultam na dor é chamado de Nocicepção e nem quase todas as criaturas vivas o tem. As lagostas tem sim.

19. E como é que a gente vira a coisa que a gente é? / Larga um treco aqui outro acolá / Deixa de pensar ou deixa de ligar / Pr'aquela besteira que tirava o sono / Vai de abandono em abandono / Soltando linha / E pescando de novo

20. Domingo provavelmente é o dia mais importante da semana e disso tenho quase certeza. É quando tudo que está acontecendo fica mais claro e visível.

21. Ideia para ensaio: artistas e gente prodigiosa de humanas fazendo contas de matemática.

22. Três pensamentos perdidos que são certos mas bastante pretensiosos e fizeram muito sentido há um tempo:
  • Indivíduo pensa no sentido estrito da autopreservação. Se vale, então, de uma manobra neodarwiniana, o mimetismo. Se molda e transforma a partir daquilo que fazem os outros. A representação aqui, é a morte do indivíduo, que depende agora de muletas políticas. Por essa razão, tudo vira uma questão prática e a individualidade se esgota, da espaço ao pragmatismo
  • Indivíduo teme pela morte de seu corpo, pela força da natureza e pela relação com o coletivo. O sentimento de culpa deriva de um medo de perda de amor e uma ciência de ter agido errado, daí o indivíduo teme a afirmação de superioridade de sua autoridade amorosa. A culpa então desenvolve-se em um superego vigilante sobre o ego, que o castiga na medida em que este pensa em agir errado, seja lá o que isso for. É a consciência como uma auto-crítica que se forma por um desejo erótico-masoquista do ego de punição. Um desenvolvimento Thought Crime orwelliano. Culpa é um dos maiores males da civilização e não vale a perda de felicidade que a civilização traz. 
  • Indivíduo deve ser livre para agir independentemente da pressão moral, da vontade do dominador, do instinto de rebanho, e pautando-se unicamente em sua vontade autônoma, sob sua própria ética. O homem deve querer ser ético e respeitar a dignidade alheia em um ato de completa liberdade, não porque deve. Deve ser senhor de si em um ato de perfeita liberdade.